Costumo dizer que a cultura de uma empresa é igual ao amor: você sabe que existe, pode senti-lo, mas não consegue ver ou pegar. E é exatamente por isso que a maioria dos profissionais, incluindo os gestores, ignora a existência da cultura organizacional, pois, na maioria das vezes, ela não é visível. Isso é arriscado para os negócios.
Fazendo uma comparação para melhor entendimento: imagine que um animal selvagem esteja alojado em um espaço interno da empresa e esse fato seja desconhecido pelas pessoas. Esse animal pode se voltar contra os colaboradores e ataca-los, caso se sinta ameaçado, ou pode ajudar a defender os funcionários e até mesmo a própria empresa, caso seja domesticado. Com a cultura organizacional acontece algo semelhante: como ela é viva, se ela for ignorada e desconhecida, ela pode fazer a empresa perder dinheiro, talentos e chegar até a arruinar um empreendimento inteiro. Contudo, caso ela seja identificada, compreendida e bem trabalhada pode jogar totalmente a favor da organização, reforçando sua identidade de forma perene. Culturas fortes resultam em colaboradores coesos, marcam a personalidade da empresa e atraem talentos, além de outros benefícios.
Por outro lado, uma cultura descuidada, ou até mesmo desconhecida, pode fazer a empresa perder talentos - inclusive para os concorrentes! - perder dinheiro com processos internos falhos, muitas rescisões trabalhistas e novas contratações e até mesmo a sabotagem por parte de alguns colaboradores insatisfeitos. Infelizmente, líderes e gestores de empresas onde a cultura é desconhecida não se dão conta de que a raiz de muitos problemas atuais pode estar na sua cultura, que está sendo ignorada. Os gestores, geralmente, dão muitas desculpas para os problemas internos: profissionais não se engajam ou têm má vontade, economia ruim, etc.; mas não se atentam para o cuidado com a cultura interna.
Há décadas a cultura organizacional vem sendo estudada por renomados autores e pesquisadores, como Schein, Hofstede, Geertz, Trompenaars, Cameron & Quinn e muitos outros. Esses pesquisadores trouxeram luz a esse tema afirmando que a cultura organizacional pode impactar fortemente nos negócios. Isso é assustador quando lembramos como a cultura tem sido desprezada por muitos gestores.
Lembremos da antiga Autolatina (joint venture da americana Ford e da alemã VW – 1987 a 1995 no Brasil), que lutou bravamente nos seus oito anos de existência e fracassou pelo fato de terem sido unidas duas empresas com tipos de culturas completamente diferentes e opostas, sem nenhuma preparação prévia, tanto de planejamento quando dos colaboradores. Milhões de dólares foram desperdiçados em processos confusos, retrabalho, conflitos internos, guerra de poder e outros problemas.
Você já parou para refletir como algumas empresas centenárias que tem culturas fortes, como é o caso da IBM, por exemplo, cujos fundadores já são falecidos e mesmo diante de diversas trocas de gestão, conseguem manter a cultura firme e fortalecida ao longo das décadas?
Felizmente, gestores bem preparados cada vez mais estão atentos à cultura interna de suas organizações e fazem esforços para reforçar essa cultura em todos os seus colaboradores e nos negócios. Alguns programas internos são excelentes propagadores da cultura da empresa, como o onboarding (integração), reconhecimento, sentimento de dono (“orgulho de pertencer”), reuniões internas, celebrações e outros.
Descuidar da cultura organizacional é arriscado para os negócios. Mas você deve estar se perguntando: “Ok, já entendi que a cultura interna é importante, mas como identifica-la?”
A cultura da empresa é refletida de forma visível e invisível. Na forma visível, percebemos a cultura através de tudo o que vemos na empresa: instalações, móveis, decoração, cores usadas, identidade visual, canais e formas de comunicação, como as pessoas se relacionam, entre outras. Na forma invisível, a cultura se manifesta através das crenças das pessoas, nos mitos e ritos, nos valores tanto da empresa como das pessoas, etc.
Sabemos que não é simples fazer o gerenciamento de todos esses fatores, mas isso é crucial para o sucesso da organização. A gestão da cultura deveria fazer parte da gestão diária da organização, como se fosse uma função, como outra qualquer. Seria ideal a empresa nomear um colaborador preparado para ser o gestor e guardião da cultura e que ele se ocupasse em fazer a cultura interna ser refletida em todas as ações da empresa, incluindo os negócios.
Empresas que querem inovar, se modernizar, se flexibilizar e se preparar para a mudança - afinal estamos vivendo no mundo VUCA - é imperativo que conheçam suas culturas internas primeiro para fazer um planejamento da mudança de forma adequada. E é necessário, também, que o planejamento estratégico da empresa reflita a sua cultura.
Um dos maiores desafios na era pós pandemia do Covid-19 é manter e até fortalecer a cultura da empresa com os colaboradores trabalhando de forma remota. Reforçar os valores da cultura, não somente para os novos colaboradores, mas também para os antigos. A empresa pode fazer isso em atividades que (re)contam sua trajetória, sua história, como chegaram aos valores atuais e o porquê as pessoas devem estar orgulhosas de trabalhar na organização. As pessoas se sentem engajadas sempre quando há um link afetivo envolvido. Outro ponto importante também, é não deixar de lado as celebrações e comemorações, que são os ritos da empresa. É uma excelente oportunidade de reforçar os valores e a cultura organizacional.
Cuidar da cultura interna é cuidar da alma da empresa. Isso não se ignora nem se despreza, principalmente quando a cultura pode assumir sua forma selvagem e se voltar contra a empresa, caso não seja “bem tratada”. Por isso, o melhor para o sucesso da empresa é conhecer sua cultura, alimentá-la constantemente, trata-la com respeito e sabedoria, pois ela pode se tornar uma grande aliada e defensora da sua organização.
Simone Negrão é diretora executiva da Mensen Consultoria e professora nos cursos de graduação e pós-graduação em temas de gestão de pessoas, liderança e cultura e clima organizacional.
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